O Homem da Caixa Preta, uma aventura na mente e na obra de Maneco de Gusmão – Parte um

0
Maneco e a Caixa Preta
Maneco de Gusmão vestindo uma de suas criações em frente a Caixa Preta (Imagem - Luís Guilherme Burza)
Co-Working em Ouro Fino

A inspiração, o aprendizado e o florescer

O Homem da Caixa Preta é Emanuel José de Gusmão, o Maneco, artista ouro-finense autor de inúmeras obras espalhadas por Ouro Fino, pelo Brasil e pelo mundo, das quais destaca-se a que intitula esta reportagem, a casa onde vive, uma estrutura cúbica, de 450 metros quadrados, toda negra, adornada em seu exterior e repleta de obras em seu interior, a qual voltaremos mais tarde.

Maneco de Gusmão contando sua trajetória – (imagem – Luís Guilherme Burza)

Maneco tem este apelido desde a infância e foi lá que sua vocação artística despertou. Ele narra que era um garoto que já desenhava “como toda criança”, mas era muito tímido. Porém, por volta dos 11 ou 12 anos, enquanto frequentava as carteiras da Escola Normal, uns primos vindos de São Paulo trouxeram umas revistas do desenhista Carlos Zéfiro (1921 – 1992) famoso por publicar uma espécie de literatura de cordel de cunho erótico, os conhecidos “Catecismos”. Maneco de Gusmão conta que ficou “alucinado, eu nunca tinha visto aquilo e todo garoto na minha idade também nunca tinha visto”. O menino então começou a fazer vários desenhos do mesmo gênero e passou levar para a escola e vende-los aos colegas, iniciando assim três marcas que seriam presentes em sua trajetória: a arte, a polêmica e a contestação. “A partir disso eu comecei a ter essa consciência. Ali eu vi a repercussão que teve e o poder que tinha. Então a partir disso eu comecei a pensar artisticamente” conta Maneco.

Assine o Observatório de Ouro Fino

Após esta experiência Emanuel de Gusmão procurou o conhecimento das técnicas artísticas na única opção que havia em Ouro Fino para estudo de desenho e pintura naquela época, que era junto aos frades franciscanos. Inspirado pelo profano Carlos Zéfiro e treinado pelos sagrados capuchinos, Maneco deu seus primeiros passos como artista, já marcado pela dualidade que posteriormente seria presente em seu estilo, o barroco contemporâneo. Aliás, Maneco, o tempo todo, faz referências à dualidade.

“A Desaparecida” de 2022, obra de Maneco de Gusmão exposta na Caixa Preta (imagem – Luís Guilherme Burza)

Crescido o jovem adulto Emanuel de Gusmão foi para São Paulo estudar, mas não foi para aprender artes, apesar do talento, apesar do dom, ele não sabia que era possível fazer faculdade e viver de arte. Manco partiu para a capital paulista com o intuito de aprender eletrônica! Ele conta que hoje não entende absolutamente nada desta área, sua vocação é outra, o que ficou claro em pouco tempo na São Paulo dos anos 1970. Lá o ouro-finense pode enfim saber que era possível se graduar e ter a arte como profissão. Matriculou-se, então, no curso de Belas Artes, mas não ficou por muito tempo, o espírito contestador o impulsionou para a cena underground da noite paulistana. Em São Paulo viveu nas décadas de 1970 e 1980.

“Era uma época de uma efervescência cultural, eu participei de exposições pela cidade, depois surgiam lugares da noite como Madame Satã, Carbono 14 e eu participei de todos estes movimentos. A gente tinha até um grupo que tinha músicos, pessoas que dançavam e eu ficava desenhando e a gente fazia espetáculo na noite Paulista e chamava ‘As Valquírias’ porque aquela coisa do Wagner dormência que falava sobre as drogas tudo dentro de um contexto underground mesmo, que eu participei” explica Maneco sobre esta primeira fase de sua vida artística na capital paulista.

Outra obra de Maneco de Gusmão: ao centro uma reprodução do menino morto pela fome de Portinari, ladeado por dois outros meninos quase idênticos. Obra de 2020. (imagem Luís Guilherme Burza)

Uma face pouco conhecida sobre Emanuel de Gusmão foi sua experiência como professor de artes para um grupo pouco usual de alunos: presidiários! Incentivado por amiga chamada Fátima Toledo (profissional do cinema que posteriormente trabalhou em sucessos como Tropa de Elite) Maneco passou a dar aulas de arte na Penitenciária do Estado de São Paulo. Ali ele inicialmente tentou passar um conhecimento clássico que havia aprendido nas Belas Artes, mas percebeu que o caminho a ser seguido era outro, que era fundamental que aqueles homens encarcerados entendessem primeiro o que era arte, que aquilo tinha que sair de dentro deles que “a princípio é uma expressão individual que depois passa para o coletivo, e o trabalho deu um resultado muito grande” conta Maneco. As aulas na penitenciária foram, inclusive, destaque de uma matéria no Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado, feita pelo jornalista Olney Kruse.

Neste período em São Paulo O Homem da Caixa Preta expôs no Museus de Arte de São Paulo (MASP), no Museu da Imagem e do Som (MIS), apareceu no Fantástico, foi famoso, mas morava num apartamento pequeno, e resolveu voltar para Ouro Fino, pois aqui teria mais espaço físico para trabalhar, só que ao retornar para a capital paulista havia “perdido o bonde” como ele mesmo diz. Era hora de procurar outros ares, era hora de deixar o Brasil como veremos na continuação desta reportagem.

AnteriorExpresso Gardênia é novamente multada pelo Procon de Minas Gerais
PróximoAcidente da MG-290 deixa um ferido