Homem da Caixa Preta, uma aventura na mente e na obra de Maneco de Gusmão – Parte dois

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Maneco e a Caixa Preta
Maneco de Gusmão vestindo uma de suas criações em frente a Caixa Preta (Imagem - Luís Guilherme Burza)
Co-Working em Ouro Fino

Paris, França e os melhores anos

Maneco voltou para São Paulo e por algum tempo ainda conseguiu trabalhar com arte. Também tornou a dar aulas para presidiários. Era o final dos anos 1980 e para fugir da hiperinflação, seguindo conselhos, começou a comprar dólares. (clique aqui para parte um)

Uma noite o Homem da Caixa Preta estava bebendo com um amigo na noite paulistana, quando decidiu passar um ano em Paris! Já havia sido aconselhado várias vezes “vá para Europa, não sei quê você está fazendo aqui!”

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Era o início do Governo de Fernando Collor de Melo, poupanças confiscadas, um caos econômico. Maneco tinha mil dólares no bolso, quantia que não era pouca, mas também não era muita para passar um ano na capital francesa. Mas mesmo assim ele partiu para a Cidade Luz, foi com a cara e a coragem, sem saber falar nada além do básico do francês, que quase todo mundo sabe. Chegou em Paris como um turista, para ficar um ano. Ficou 14. “A Europa para mim foi maravilhosa, eu nunca tinha pensado em ir pra lá, daí eu chego em Paris, uma cidade fantástica cheia de arte para todo lado, mas fui para ficar um ano, não estava trabalhando artisticamente pois não tinha nem espaço para isso, eu fiquei este ano como turista mesmo, aí uma amiga me contou de um movimento chamado ‘Squartes’, que eram alguns artistas de lá, que não tinham onde trabalhar e estavam invadindo espaços e montando ateliers”, conta Maneco. Como ainda não sabia falar o francês, fez amizade com um artista que havia morado no Brasil e que falava um pouco português e se enturmou com um grupo de artistas e invadiram um prédio abandonado chamado Convento de Récollets. Esta edificação tinha cerca de 1600 metros quadrados, que além de ter sido um convento da ordem religiosa dos Ricoletos, também já havia sido faculdade de arquitetura e hospital durante a Segunda Guerra Mundial. O grupo de artistas ao qual Maneco (que na França passou a ser chamado de Manecô – ou na grafia do idioma francês “Manecaux” – embora, é claro, jamais seu nome tenha sido grafado desta forma, dado ao fato que em palavras no francês são em sua maioria oxítonas) se juntou foi conhecido como “Les Anges de recollets” (Os Anjos dos Ricoletos, ou Os Anjos do Mosteiro dos Ricoletos em tradução livre). Neste antigo convento, transformado de forma revolucionária em um atelier coletivo de arte, que Maneco diz ter vivido um dos melhores momentos de sua vida, pois eram o início dos anos 1990, artistas do mundo todo passavam por lá. Vinham alemães, portugueses, japoneses, iraquianos fugindo da primeira guerra do Golfo, gente de toda parte com suas experiências artísticas, suas vivências, compartilhando o mesmo espaço e produzindo arte. E lá, em meio a esta efervescência cultural estava um ouro-finense que na infância despertou para a arte inspirado por Carlos Zéfiro e instruído pelos monges Capuchinhos.

Freira e as Tentações, Obra produzida durante a sua passagem pela França, exposta atualmentena Caixa Preta. (Imagem – Luís Guilherme Burza)

Como era de se esperar numa cidade que respira arte, muitos jornais voltavam os olhos para Les Anges de recollets, repórteres e fotógrafos volta e meia estavam lá de olho no que ele e os outros artistas produziam. Um belo dia entre estes fotógrafos estava uma mulher de nome Clodia Hassen Fratz, nascida na histórica região da Alsácia, que motivou muitas guerras, sendo definitivamente parte da França apenas ao fim da Primeira Guerra Mundial. Ela foi fazer uma reportagem sobre aqueles artistas, contudo ao entrar no antigo convento encontrou “um índio” chamado Emanuel José de Gusmão, para ela o “Manecaux”. Se apaixonaram e se casaram. O Homem da Caixa Preta então tinha uma esposa francesa, que poderia ter sido alemã a depender dos conflitos europeus.

Mas o tempo do convento ocupado um dia chegou ao fim, foi intenso, mas durou pouco, menos de dois anos. Num não tão belo dia de inverno a prefeitura de Paris, pôs fogo no espaço. Nada sério, apenas para assustar desocupar a o local. Do lado de fora a polícia e os bombeiros já esperavam convenientemente para socorrer e evitar maiores danos. “O incêndio foi proposital para nos expulsar, porque a gente estava tomando conta de um espaço que era do governo, que era imenso e maravilhoso e que hoje virou um lugar de arquitetura super incrível de Paris, que até hoje funciona um centro de pesquisa de arquitetos” conta Maneco sobre o fim desta aventura artística na capital fancesa. Mas Justiça seja feita, o Homem da Caixa Preta também explica que os bombeiros parisienses ajudaram a salvar as obras de artes que estavam naquele convento transformado em atelier coletivo, tudo foi alocado temporariamente numa praça localizada em frente ao majestoso prédio. Terminava ali o sonho d’les angeles de ricollets.

Cartazes de exposições de Maneco de Gusmão em solo europeu. (imagem – Luís Guilherme Burza)

Como estava casado e era um artista conhecido, Maneco foi morar com a esposa em um apartamento e continuou produzindo. Conseguiu também uma parceria com uma galeria onde expunha e vendia suas obras e assim sobreviveu na capital francesa apenas de sua arte (já que aqueles mil dólares com os quais havia chegado na Europa há muito haviam acabado). Trabalhou muito, conheceu outros países, conseguiu bolsa de estudo na Association Artistes Unilimited na cidade de Bielefelfd, Alemanha, onde realizou uma exposição individual. Também expôs individualmente em Madri, capital da Espanha, terra de grandes mestres como Picasso, Dali entre outros. E, é claro, suas obras tiveram destaque em Paris, a cidade onde viveu de 1990 a 2004.

Além de trabalhar intensamente como artista, em Paris Emanuel de Gusmão tentou levar seu conhecimento em lecionar em presídios, e assim o fez, embora lá, ele conta, a experiência não tenha sido tão bem sucedida como foi aqui no Brasil. No velho mundo sua sobrevivência se deu principalmente pela arte.

Mas mais uma vez sua terra natal o chamava, desta vez não era a falta de espaço físico, o retorno do Homem da Caixa Preta para Ouro Fino foi motivado para cuidar de sua mãe. É o que veremos na terceira parte desta reportagem.

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